Livro vaza notícias do Rio/ Book leaks news from Rio
A dedicatória de Carlos Fernando Andrade para a jornalista que aqui escreve não poderia ser melhor: “À friend Andréa Magalhães, de tantos textos que ‘fizemos’ juntos. A começar e terminar no JB”. As palavras escritas em “Vazou ─ Crônicas do urbanismo carioca” têm a seguinte explicação: conheci Carlos Fernando na época em que eu era editora do Caderno Casa (Jornal do Brasil) e ele, presidente do Instituto de Arquitetos do Brasil (IAB)/ RJ. O tempo passou e, agora, o livro lançado reúne artigos escritos por ele, publicados entre abril de 2018 a fevereiro de 2019, no mesmo jornal. O mundo dá voltas e pode parar no mesmo lugar./ Carlos Fernando Andrade‘s dedication to the journalist who writes here could not be better: “To friend Andréa Magalhães, from so many texts that we have done together. Starting and ending at JB” (Jornal do Brasil, one of the most prestigious newspapers in Brazil). The words written in “Vazou – Crônicas do urbanismo carioca” (“It leaked – Chronicles of the urbanism of Rio de Janeiro city”) have the following explanation: I met Carlos Fernando at the time I was editor of Casa (the section of Jornal do Brasil newspaper dedicated to architecture) and he was the president of Instituto de Arquitetos do Brasil-RJ/ IAB-RJ (the Institute of Architects of Brazil-RJ). Time passed by and now the released book brings together articles written by him, published between April 2018 and February 2019, in the same newspaper. The world goes round and can stop at the same place.
Explicada a dedicatória, vamos a algo muito mais importante: o livro, que, dividido em quatro partes, aborda fatos e personalidades relacionados ao urbanismo carioca, com as respectivas análises críticas e vivências do autor. Quem não conhece a personalidade bem-humorada e metafórica do arquiteto e urbanista e o seu peculiar estilo irônico de escrever deve preparar-se para boas risadas e tapas na face, com a elegância e inteligência de um lorde brasileiro, que Carlos Fernando é. / Having explained the dedication, let’s go to something much more important: the book, which, divided into four parts, addresses facts and personalities related to the urbanism of Rio de Janeiro city, with their respective critical analyses and experiences of the author. Those who do not know the humorous and metaphorical personality of the architect and urban planner and his peculiar ironic style of writing should prepare for good laughs and slaps on the face, with the elegance and intelligence of a Brazilian lord called Carlos Fernando.
Na primeira parte do livro, a retração da cidade do Rio de Janeiro é abordada em 11 artigos. Como resumir essa retração, esse esvaziamento econômico, social/ populacional, político e cultural, nas palavras do autor? “Apertem os cintos, o cliente sumiu, aliás, se mudou para São Paulo”. / In the first part of the book, the retraction of Rio de Janeiro city is covered in 11 articles. How to sum up this retraction, this economic, social/demographic, political, and cultural emptying, in the author’s words? “Fasten your seat belts, the client has disappeared, in fact, moved to Sao Paulo.”
O autor fala do êxodo das fábricas, do não crescimento da população, do fim dos cinemas de rua, do fechamento de comércios etc. Menciona também a área retraída do porto do Rio, que tentaram “reavivar” (ele odeia o termo), incluindo a milionária “loucura de demolir o viaduto da Perimetral”, quando a cidade “não tinha dinheiro para tapar buracos”. Nas palavras dele, um “banho de loja que virou banho de água fria”. / The author talks about the exodus of factories, the non-growth of the population, the end of street cinemas, the closing of stores etc. He also mentions the recessed area of Rio’s port, which the government has tried to “revive” (he hates the term), including the millionaire “craziness of demolishing the viaduct called Viaduto da Perimetral” when the city “had no money to plug holes.”
Lendo o livro, eu aprendo que Copacabana é o bairro carioca que melhor encarna a ideia de retração urbana. “Desde 1960, um terço de sua população, 80 mil moradores, desapareceu. Uma bomba de Hiroshima, lenta e sem alarde”, Andrade escreve./ Reading the book, I learn that Copacabana is the neighborhood in Rio city which best embodies the idea of urban retraction. “Since 1960, a third of its population, 80,000 residents, has disappeared. A Hiroshima bomb, slow and without fuss,” Andrade writes.
Sobre polos industriais, ele ironiza: “O nosso polo de Itaguaí ou Itaboraí serviu apenas para rimar com Sapucaí, sobrando-nos, assim, o maior carnaval do mundo”, diz Andrade. / About industrial poles, he jokes: “Our Itaguaí or Itaboraí pole has only served to rhyme with Sapucai, leaving us the largest carnival in the world,” says Andrade. Sapucai is the avenue where Carnival happens in Rio.
Passando para a segunda parte da obra, dez artigos focam em “Incêndios e outras tragédias”, que atingiram a cidade do Rio. O incêndio do Museu da Quinta ganha destaque. Ainda traumatizada em decorrência do incêndio no Hospital Badim, meu vizinho, paro de escrever por aqui sobre este tema./ Moving to the second part of the book, ten articles focus on “Fires and other tragedies” which have hit Rio city. The fire at Museu da Quinta (the National Museum in the city) is highlighted. Still traumatized by the fire at Hospital Badim, my neighbor, I stop writing here about this topic.
Na terceira divisão do livro, “Gentes e lugares”, Andrade explica a razão para ele não gostar do termo “gentrificação”, muito utilizado para explicar processos de “revitalização” ou “enobrecimento” de áreas como favelas. “Implico com o termo ‘revitalização’: recuperar a vida significa afirmar que a área estava morta, o que, de forma alguma, é verdadeiro”, escreve./In the third division of the book, “People and Places,” Andrade explains the reason he does not like the term “gentrification,” often used to explain “revitalizing” or “ennobling” processes in areas such as slums. “I do not like the term ‘revitalization’: restoring life means claiming that the area has been dead, which is not true,” he writes.
Nos 13 artigos, lemos nomes como os de Mario Vodret, Le Corbusier, Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Paulo Casé, Indio da Costa (na foto acima comigo) e chegamos ao nome da vereadora assassinada Marielle Franco./ In the 13 articles, we read names like Mario Vodret, Le Corbusier, Lucio Costa, Oscar Niemeyer, Paulo Casé, Indio da Costa (in the image above with me), and Marielle Franco, the councilwoman who was murdered in Rio in March 2018.
A quarta e última divisão do livro é intitulada “Vale tudo” e possui 13 artigos. Andrade fala sobre os absurdos que mancham a história da cidade do Rio: a derrubada de morros, o desmantelamento de ferrovias, as redes de esgoto que vazam por toda parte, as irregularidades do setor imobiliário, a insegurança urbana etc. Nas palavras dele sobre este último tema: “O shopping embala o medo para presente”./ The fourth and final division of the book is titled “Vale tudo” (which means approximately “The ends justify the means”) and has 13 articles. Andrade talks about the absurdities that tarnish the history of Rio city: the collapse of hills, the dismantling of railways, the sewage that leaks everywhere, the irregularities of the real estate sector, urban insecurity etc.
E este “vale tudo” parece ganhar proporções inimagináveis quando entramos no universo dos políticos que governaram ou governam a cidade. Andrade escreve que, a cada eleição, candidatos “puxam da cartola coelhos esquálidos e de orelhas gastas e gritam, em lugar de ‘Shazam’, ‘Turismo’!”. Na visão do autor, exibem seu “despreparo e desconhecimento da parte do planeta que lhes caberá administrar”./ And this “the ends justify the means” seems to gain unimaginable proportions as we enter the universe of politicians who have ruled or still govern the city. Andrade writes that, in each election, candidates try to sell tourism as the solution for all Rio’s problems. In the author’s opinion, they show their “lack of preparation and ignorance of the part of the planet which will be their responsibility to manage”.
“Vazou ─ Crônicas do urbanismo carioca” é uma aula de história da cidade do Rio de Janeiro, do estado do RJ, do Brasil e até do mundo (já que faz menção a fatos relevantes globais), dada por alguém que é, antes de tudo, um carioca apaixonado por sua cidade. Além da abordagem de questões urbanísticas atuais, há várias citações históricas, como a relacionada ao “bota-abaixo”, do prefeito Pereira Passos. O livro também é uma aula de cultura e refinamento vocabular: onde mais encontramos a frase “perus soem morrer de véspera”? Uso perfeito do verbo defectivo soer, significando “ter por costume”. / “Vazou ─ Crônicas do urbanismo carioca” (“It leaked – Chronicles of the urbanism of Rio de Janeiro city”) is a history class on Rio city, Rio state, Brazil, and even the world (as it mentions relevant global facts), given by someone who is, above all, a “carioca” in love with his city. In addition to addressing current urban issues, there are several historical citations, such as the one related to “bota-abaixo” (“Knock-it-down”) urban reform by Mayor Pereira Passos. The book is also a lesson of culture and vocabulary refinement.
Em suma, com Andrade, que é mestre e doutor em urbanismo pela FAU-UFRJ, e que, em 2018, foi eleito para representar os profissionais do RJ no Conselho Federal de Arquitetura e Urbanismo, aprendemos mais sobre a nossa cidade e concluímos que, para superarmos o seu atual estágio de retração, tão bem desenhado na primeira parte do livro, realmente, precisaremos de mais cérebros qualificados para pensá-la e agir em seu favor. Vamos analisar nossos candidatos para as próximas eleições! Pronto: vazei!/ In short, with Andrade, who has a master’s and doctorate degrees in urbanism from FAU-UFRJ (Federal Univesity of Rio de Janeiro), and who, in 2018, was elected to represent Rio’s professionals at Conselho Federal de Arquitetura e Urbanismo (Federal Council of Architecture and Urbanism), we learn more about our city and conclude that, in order to overcome its current retraction stage, so well-designed in the first part of the book, we will really need more skilled brains to think about the city and to act aiming its development. Let’s analyse our candidates for the next elections!